Li & Recomendo: A Revolução dos Bichos

Olá pessoal, estou de volta e, claro, com uma breve análise de livro!
Pois bem, li recentemente o tão consagrado clássico moderno A Revolução dos Bichos, de George Orwell, pseudônimo de Eric Artur Blair, jornalista, crítico literário e romancista, além de um dos mais influentes autores da literatura. Dele havia lido o incrível 1984 e me pergunto a razão de ter demorado tanto para ler esse outro título do autor; assim, para me redimir, deixo a seguir uma breve análise de A Revolução dos Bichos, lembrando que procurei sintetizar todas as informações apuradas ao longo da leitura relacionando-as com a Revolução Russa. Espero que apreciem e me desculpem caso o texto tenha ficado muito cumprido para alguns. Borá lá para a leitura?!

A Revolução Russa e a revolta dos bichos

     Grandes revoluções não começam do acaso e muitas delas se perpetuam de tal modo que deixam profundas marcas na vida das pessoas e da sociedade em que ocorrem. Contestadas por uns e defendidas por outros, as revoluções fazem parte do desenvolvimento social de vários povos, sempre carregadas de ideologias, entretanto, o que aconteceria se um belo dia uma revolução tomasse forma e fosse encabeçada não por seres humanos, mas por animais?
    Estranho pensar no assunto, ainda mais quando sabemos que os animais, por mais que sejam serem vivos com lógicas próprias e diferentes da humana, jamais poderão se articular de tal modo contra as pessoas, o que não impediu George Orwell de nos apresentar uma fábula moderna onde justamente os animais são os protagonistas da vez em A Revolução do Bichos (Companhia das Letras: 2007, 147 páginas), que nos traz a história dos animais (os cavalos Sansão e Quitéria, a égua Mimosa, o burro Benjamin, as vacas, ovelhas, galinhas etc)  da Granja do Solar que num belo dia, após ouvirem atentamente o discurso do porco Major, se rebelam contra seu dono (Sr. Jones), tomando posse da fazenda em que vivem com a finalidade de instituir no local um sistema igualitário. A trama então ganha contornos mais obscuros quando alguns bichos_ em especial os porcos, Napoleão e Bola-de-neve, considerados os mais inteligentes, e os cachorros, fieis escudeiros dos suínos_ decidem organizar esse novo sistema animal, o animalismo, que aos poucos se transforma num regime tirano onde uma nova história é reescrita não dando espaço para contestações.
     A trama de A Revolução dos Bichos, a época de seu lançamento, causou muito incômodo no meio editorial, sendo recusada por alguns editores, por isso foi publicada bons anos após ter sido escrita, servindo posteriormente como "arma" anticomunista no período da Guerra Fria, indo muito além de crítica ao stalinismo que a inspirou, permanecendo até hoje como uma das grandes obras já produzidas.
    Somente para contextualizar o leitor, antes de prosseguirmos com a Revolução dos Bichos, falemos sobre a Revolução Russa, iniciada lá no começo do século XX quando o czar Nicolau II foi deposto. A Revolução teve duas fases conhecidas como: Revolução Branca, com duração de apenas uma semana, e Revolução Vermelha, encabeçada por Vladimir Ilyich Ulyanov (Lênin). Após a morte de Lênin, em 1924, houve intensa luta interna pelo controle do país, tendo duas figuras muito conhecidas envolvidas na disputa: Trotski e Stálin (guardem bem estes nomes para se situarem na trama de Orwell).
     Pois bem, estes dois homens tinham pensamentos ligeiramente diferenciados e por isso se distanciaram um do outro, tanto que Trotski foi deportado da União Soviética (Rússia) e, algum tempo depois, assassinado a mando de Stálin.
    O governo de Stálin, para alguns meramente comunista, se tornou ditatorial em 1929 e nele o ditador fez uma espécie de expurgo se livrando de todos os seus opositores e até de grandes companheiros de revolução; assim, após prender e torturar possíveis inimigos, estes confessavam crimes que não haviam cometido e logo após eram mortos acusados de trair a pátria. (Lembrem-se desse detalhe quando voltarmos a falar do livro)
   Para se ter ideia da barbárie do regime stalinista, estima-se ao menos que 5 milhões de cidadãos foram presos e outras 23 milhões de pessoas tenham morrido. Os números são absurdamente altos e ainda que não sejam estes em tese, ao menos, há um consenso de que o stalinismo vitimou milhões de pessoas.
    Bom, após essa breve pincelada sobre como se sucedeu a Revolução Russa_ caso tenha mencionado alguma informação errada, por favor, me avisem quem estiver lendo o texto_ voltemos ao A Revolução dos Bichos para fazermos analogias.
    Primeiramente, notamos como os animais da fábula de Orwell, desde sempre, possuem uma postura subserviente, ou seja, são voluntariamente submissos num primeiro momento ao humano Sr. Jones (czar Nicolau II), antigo dono da Granja do Solar e, posteriormente, aos porcos; com isso, os animais representam o povo russo enquanto o homem representa o absolutismo. Quando o porco Major, temos aí uma pincelada na figura de Karl Marx, incita uma revolução por parte dos bichos, a ideia pouco a pouco ganha forma até que Sr. Jones é expulso da Granja e os porcos Bola-de-neve (Trotski) e Napoleão (Stálin), seguindo os preceitos do Major, adotam o animalismo (comunismo) até que um desentendimento entre ambos culmina com a derrocada de Bola-de-neve e a ascensão de Napoleão que se mostra um verdadeiro tirano, ainda que os animais não consigam perceber a situação, pois, igualmente a obra 1984 também de Orwell, uma intensa propaganda, organizada pelo porco Garganta (departamento de comunicação do Governo), é realizada para que "verdades" sejam reescritas e a historia seja moldada ou recontada de modo a beneficiar apenas uma das partes.
    Creio que vocês devam estar se perguntando onde entra Lênin nisso tudo já que este também foi um dos grandes, mais para o mal do que par o bem, responsáveis pela concretização da Revolução Russa. Quanto a isso, deixo em destaque um trecho do posfácio da edição brasileira da fábula de Orwell, pois esta nos apresenta um bom motivo para a omissão da figura de Lênin na trama:


Naquela época, a esquerda em geral não se decidira quando a Lênin. Os trotskistas denunciavam Stálin como o "coveiro" do leninismo; os stalinistas reivindicavam o manto de Lênin. Só as forças conservadoras diziam que o leninismo e o stalinismo não passavam de dois nomes para a mesma coisa. E toda "moral" da história se perde se a ideia de revolução dos bichos for perversa ou irracional desde o início. Assim, conscientemente ou não Orwell apaga a figura que teria deixado sua história um pouco complicada demais. (Christopher Hitchens, posfácio de A Revolução dos Bichos, página 117)


    Conforme a história vai se desenrolando, os animais "notam" como a vida lhes pareceu ficar mais difícil com escassez de recursos, porém, conforme os porcos vão moldando a história e o tempo colabora para tanto, os animais não conseguem mais definir ou se recordar muito bem dos primórdios e acabam por aceitar o mandos e desmandos de Napoleão que, muitas vezes, se assemelha à figura de Stálin no Grande Expurgo, justamente porque submete os animais da granja a julgamentos e execuções em massa a partir de confissões muitas vezes duvidosas.
       Outro ponto relevante a ser abordado é o destino de alguns animais da granja, como os cavalos Sansão e Quitéria, que representam o proletariado ou a classe trabalhadora cujo destino, vide o fim trágico de Sansão, é trabalhar até a morte. Há também a égua Mimosa que representa o típico burguês, muito mais preocupado com o próprio bem-estar do que com o coletivo. Temos, ainda, o corvo Moisés que representa a Igreja ortodoxa russa que nunca está seriamente junto aos bichos, mas que faz questão de lembrá-los de um paraíso utópico, até ser expulso da granja por Napoleão e retornar muito tempo depois, já que suas ideias sobre paraíso fazia com que os animais se sentissem impelidos a trabalharem ainda mais na certeza de que repousariam um dia neste paraíso, algo muito semelhante ao papel da Igreja no período do stalinismo. Temos também os cachorros escudeiros dos porcos que tendo sido doutrinados por Napoleão ainda no início da vida, ressurgem submissos e prontos a estraçalhar qualquer um que se aproxime de seu líder, dessa maneira, os cães representam a KGB (polícia secreta) e por fim o burro Benjamin que pouco fala a respeito das coisas embora no fundo saiba que qualquer regime que se apresentar aos animais não dará em absolutamente nada, por isso, o burro representa o pessimismo do povo russo e também de outros povos.
     Enfim, espero que tenham gostado, pois tentei enxugar o texto o máximo que pude. Então, para encerrar de vez, abaixo, segue uma tabela, retirada do site Live Journal,  que sintetiza muito bem a obra de Orwell, nos servindo de guia para a complementação da leitura do fenomenal A Revolução dos Bichos.


REVOLUÇÃO DOS BICHOS

REVOLUÇÃO RUSSA

Sr. Jones
- Irresponsável com seus animais (os deixava famintos)
- Ocasionalmente era cruel usando o chicote
- Ocasionalmente era generoso (misturava leite com a ração)
 



Czar Nicolau II
- Um líder fraco, se comparado aos demais reis do ocidente
- Cruel e brutal com seus oponentes
- Ocasionalmente era gentil
Velho Major
- Ensinou o animalismo
- Dizia que os animais faziam o trabalho, os humanos ficavam com o dinheiro e que, por isso, deviam se revoltar
- Morreu antes da revolução
 

Karl Marx
- Inventou o comunismo
- Dizia, "trabalhadores do mundo, uni-vos" e tomem o governo
- Morreu antes da Revolução Russa
Animalismo
- Não há proprietários, nem ricos, nem pobres
- Os trabalhadores têm uma vida melhor, todos os animais são iguais
- Todos são donos da fazenda

Comunismo
- Não há proprietários, nem ricos, nem pobres
- Os trabalhadores têm uma vida melhor, todas as pessoas são iguais
- O governo é dono de tudo e o povo comanda o governo
 
Bola-de-Neve
- Jovem, inteligente, discursivo, idealista
- Realmente queria fazer a vida melhor para todos
- Um dos líderes da revolução
- Foi induzido ao exílio pelos cães de Napoleão

Leon Trotski
- Um dos líderes da Revolução de Outubro
- Um comunista puro (seguia os ensinamento de Marx)
- Queria melhorar a vida em toda a Russia
- Foi caçado pela KGB (polícia secreta) de Lenin
 
Napoleão
- Não era um bom orador nem tão inteligente quanto Bola-de-Neve
- Cruel, bruto, desonesto, egoísta, corrupto
- Em sua ambição por poder ,matou todos os seus oponentes
- Usava cães, Moisés e Garganta para controlar para controlar os animais

Josef Stalin
- Não era um bom orador e não teve uma educação tão boa quanto a de Trotski
- Não seguia as idéias de Marx
- Em sua ambição por poder ,matou todos os seus oponentes
- Usou a KGB, permitiu a volta da igreja ortodoxa e fez uso do Culto da Personalidade para controlar o povo
 
Garganta
- Falava muito, tinha poder de persuação
- Convencia os animais a acreditarem e seguirem Napoleão
- Modificou e manipulou os mandamentos
- Se beneficou do fato de a maioria dos animais ser analfabeta

Departamento de propaganda do Governo Lenin
- Trabalhou para Stálin dando suporte à sua imagem
- Usou de todas as mentiras para que o povo continuasse a seguir Stálin
- Se beneficiou do fato de a educação nacional ser controlada
 
Cachorros
- Um exército particular que usava do medo para fazer os animais trabalharem
- Matavam ou intimidavam todos os que se opunham a Napoleão
- Faziam parte do plano de Napoleão para controlar os animais
 

KGB - Polícia Secreta
- Não era realmente uma polícia, mas sim uma força de apoio à Stálin
- Usava de força bruta, muitas vezes chegava a matar famílias inteiras por desobediência
- Totalmente leal, mais poderosa que o exército
Moisés, o Corvo
- Falava aos animais sobre a Montanha Cande (o céu para os animais)
- Os animais poderiam ir até a Montanha Cande se trabalhassem duro
- Bola-de-Neve e o Major eram contra Moisés (acreditavam que a Montanha era uma desculpa para fazer os animais trabalharem)
- Napoleão permitiu que ficasse para ensinasse os animais a trabalharem sem reclamar
 

Religião
- Marx dizia que era o "Ópio do Povo", uma mentira
- Usada para fazer o povo trabalhar sem reclamar
- A religião só foi tolerada porque fazia as pessoas trabalharem
- Stálin sabia que a religião iria fazer as revoluções violentas pararem
Mimosa
- Vaidosa, amava sua beleza e a si
- Não pensava na Granja dos Bichos
- Ficava ao lado de qualquer um que lhe desse o que queria

Pessoas vaidosas e egoístas na Russia e no mundo
- Algumas pessoas não se importavam com a Revolução
- Apenas pensavam em si
- Foram para outros países que ofereciam mais a eles
 
Sansão
- Forte. Um trabalhados esforçado que se importava com a Granja dos Bichos
- Pensava que "Napoleão está sempre certo" e "Trabalharei ainda mais"
- Deu tudo de si pela Revolução e foi traido por Napoleão

Apoiadores dedicados - e enganados - comunistas
- O povo acreditava em Stálin porque ele era "comunista"
-  Muitos continuaram fiéis a Stálin mesmo depois que ficou óbivio que ele um tirano
- Foram traidos por Stálin, que os ignorava e os matava aos poucos (de fome, de tanto trabalhar, etc).
 
Benjamin
- Um burro velho e sábio que suspeitava da Revolução
- Pensva que "nada nunca vair mudar" e estava certo
- Suas suspeitas sobre Sansão e a adulteração dos mandamentos estavam certas

Pessoas céticas dentro e fora da Rússia
- Não tinham certeza se a Revolução mudaria alguma coisa
- Perceberam que até um líder louco podia se auto proclamar comunista
- Sabiam que o comunismo não funcionaria se o poder ficasse detido nas mão de uma só pessoa (um líder ambicioso)
 
Outros detalhes sobre a revolução dos bichos
- Devia tornar a vida melhor para todos
- A vida ficou pior
- Os novos líderes se tornaram tão ruins quanto os antigos
- Os outros fazendeiros (humanos) se revoltaram contra a revolução
 

Outros Detalhes sobre a Revolução Russa
- Devia consertar os problemas causados pelo Czar
- A vida ficou muito pior depois da Revolução
- Stalin fez o Czar parecer bonzinho



"As pessoas não veem que, quando se endossam métodos totalitários, pode chegar um momento em que deixarão de ser usados a favor para se voltarem contra o indivíduo." George Orwell

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