Li & Recomendo: O senhor das moscas


Olá pessoal, olha eu aqui novamente com, desta vez, uma breve análise em cima de um livro que li tem algum tempo e que recomendo fortemente a leitura. A análise em questão foi realizada após a leitura do livro "O Senhor das Moscas", de autoria de William Golding, autor inglês e vencedor do Prêmio Nobel. O livro em si é bastante complexo e pode ser analisado de diversos modos, assim, a análise que se seguirá pincela apenas alguns dos diversos aspectos observados ao longo da leitura do livro e, portanto, não é conclusiva. Para maior imersão na obra do autor é recomendável a leitura de textos de apoio para melhor compreensão das ideias abordadas no decorrer desta excelente obra-prima uma vez que sua complexidade exige do leitor um pouco mais de aprofundamento.

OBS: Contém spoilers. Leia apenas se já conhecer o livro ou não se importar em saber partes do enredo.👍


O triunfo da barbárie


O romance escrito por William Golding, O senhor das Moscas (Alfaguara, 2014, 223 p.), prima por proporcionar ao leitor múltiplas interpretações a cerca da condição humana, seja em suas esfera social /política, seja na esfera mítica/sobrenatural; afinal, ao narrar a ascensão e queda de garotos que devido a um acidente aéreo vão parar numa ilha deserta, o livro se converte numa grande alegoria que discute não só como sociedades organizadas podem se transformar em sociedades autoritárias onde não há espaço para questionamentos, como chama a atenção para o fato da essência do mal ser inerente da condição humana, apenas se intensificando pela irracionalidade do medo. 
No livro, acompanhamos a história de alguns estudantes ingleses que acabam parando numa ilha depois que o avião em que estavam cai no mar. Por serem os únicos a povoarem o local e não haver a presença de um adulto, logo precisam pensar maneiras de se organizarem para se manterem vivos até a chegada de um provável resgate, assim estabelecem entre si, por exemplo, quem será o líder do grupo e a função que cada um deles terá em meio aos demais, assim Ralph é eleito o líder por todos os garotos, ainda que a contragosto de Jack, um dos meninos mais velhos do bando que, no colégio, era o líder do coral. 

"Jack começou a protestar, mas o clamor foi mudando, e de pedido de uma eleição transformou-se na aclamação de Ralph. Nenhum dos podia ter muitos motivos para isso; toda inteligência que tinha demonstrado era Porquinho, e o líder mais óbvio era Jack. Mas Ralph tinha uma tranquilidade, ali sentado, que chamava atenção... (p. 23) 

Ainda se destacam como personagens: Porquinho, um dos únicos garotos que é conhecido apenas pelo apelido que lhe deram na escola e o mais racional dentro do grupo; Simon, o menino tido como estranho pelos demais, porém o único capaz de observar a todos de modo mais coeso possível; os gêmeos Sam e Eric que, se comportando como uma só unidade, são comumente chamados de Samineric e Roger que, conforme a história avança, demonstra uma personalidade que o faz sair da condição de seguidor para futura liderança. 
O livro de Golding pode ser interpretado sob várias óticas, o que demonstra que toda a narrativa é muito mais complexica do que uma mera história de sobreviventes numa ilha, pois pelos seus vários desbravamentos narrativos somos, enquanto leitores, conduzidos à reflexões bem mais profundas sobre o ser humano e a vida em sociedade. 
No início da narrativa, o grupo de garotos consegue conviver bem e todos seguem a liderança de Ralph que tem em Porquinho, além de um forte aliado que o ajuda com seus "conhecimentos sobre o mundo", alguém que lhe será fiel em todos os momentos. 
Dentro da trama, a liderança de Ralph é, em partes, assegurada não só pelo porte e aparência que causa nos demais integrantes do grupo boa impressão, mas porque traz consigo uma concha que sopra sempre que precisa organizar uma reunião sendo este objeto a representação simbólica da lei e da ordem por, juntamente com 
os óculos usados por Porquinho que na história podem ser encarados como a clareza e o entendimento das coisas. 
Ralph, como líder do grupo, tem como grande objetivo fazer com que os garotos mantenham uma fogueira acesa o máximo de tempo possível para que a fumaça produzida atraia algum navio até a ilha e assim possibilite o resgate, no entanto, é difícil para ele manter o grupo junto ao ponto de todos se centrarem no mesmo objetivo, até mesmo porque Jack, por exemplo, não aceita tão bem a liderança que se segue e ao organizar um grupo de caçada com alguns outros garotos que no colégio formavam com ele o coral, logo se coloca de modo antagônico a liderança de Ralph, estabelecendo certa distância que irá se intensificar ainda mais e culminar, com o passar dos dias, na divisão dos garotos do grupo quando, em determinado momento, todos perdem a chance de resgate por não manterem a fogueira acesa. 

"O problema quando você é o chefe, é que precisa pensar, dizer a coisa certa. Aí a ocasião chega, e você precisa tomar uma decisão. Por isso é que você tinha de pensar; porque o pensamento é uma coisa valiosa que produz resultados..." (p.87) 

Deste modo, a fogueira parece funcionar como a ligação do grupo de garotos da ilha com a civilização, por isso o ato de mantê-la acessa é importante e simplesmente negligenciá-la se torna algo perigoso para o vínculo que todos ainda têm com o mundo exterior; assim, por mais que estejam numa ilha que lhes oferece tudo e, ainda, lhes possa servir como o próprio Éden, existe a necessidade de se manterem conectados a algo, um vez que quanto mais tempo os garotos passam naquele ambiente não povoado por outras pessoas, mais seu senso de civilidade parece ir se deteriorando ao ponto de lentamente abrir espaço para medo e selvageria. 


A banda Iron Maiden tem uma canção baseada na obra de William Golding


"Não quer dizer nada, claro. É só uma sensação. E você tem a impressão que não está caçando, mas _ sendo caçado; como se tivesse alguma coisa atrás de você o tempo todo no meio da selva." (p.58) 

Neste sentido da perda da civilidade, o medo débil toma conta do grupo aos pucos, ainda mais por, em determinado momento da história, ser levantado a possibilidade da existência de um monstro no alto de uma pedra, algo que se "confirma" quando todos avistam ao longe uma figura singular cujo medo impossibilita que percebam que se trata de um paraquedista de guerra que tendo morrido foi levado até a ilha pelo vento em seu paraquedas. 
Um dos momentos de grande tensão dentro do livro é quando a liderança de Raph periga desmoronar e o confronto entre ele e Jack se torna inevitável ao ponto de que uma ruptura entre eles e os demais garotos se torna inevitável; no entanto, devido a incapacidade dos demais membros da ilha manterem-se juntos na execução da tarefa de manter a fogueira acesa ou colaborar com outros pequenos afazeres, logo Jack se torna um líder, mesmo que sua autoridade seja conquistada por meio da pressão/opressão, pois ele se torna um líder violento e autoritário que colabora para que os demais garotos da ilha sucumbam ao medo e a selvageria, enquanto excluem Ralph, Porquinho e Saminaric. 
Simon, o mais reservado dos garotos, num momento chave da trama de Golding, decide verificar o suposto monstro no alto da montanha, enquanto os demais garotos da ilha se integram a uma espécie de ritual insano. Deste modo, ao se afastar do grupo, Simon parece traçar seu próprio destino naquele ambiente, agora hostil, mas não sem antes topar com aquela que seria a aberração e personificação de todo mal daquele ambiente, ou seja, o verdadeiro "Senhor das Moscas" que em princípio se tratava apenas da cabeça de um porco do mato espetada numa lança e fincada na terra a mando de Jack como uma oferenda ao suposto monstro da ilha. 
O crânio do animal, enegrecido pela quantidade de moscas ao seu redor e ao redor das vísceras ali deixadas por Jack e seu bando, parece ganhar ares sobrenatural e passa a dialogar com Simon em sua mente, num prenúncio funesto do que ocorreria dentro em breve com o próprio garoto, com Porquinho e com Ralph. 

"Imagina se o Monstro ia ser uma coisa que vocês podem caçar e matar... Você sabe, não é? Que eu sou parte de vocês? Bem perto, bem perto, bem perto! Que é por minha causa que nada adianta? Que as coisas são do jeito que são?" (p. 157-158) 

Com isso, o que pode ser observado no decorrer da leitura de o "Senhor das Moscas" é o livro, entre muitos aspectos, parece tratar do medo e, também, do lado tenebroso dos seres humanos, bem como chama atenção para o fato de como situações que fogem ao nosso controle colaboram para que o terror surja e com ele todo triunfo da barbárie, algo que na trama ganha contornos bem mais sinistros se pararmos para pensar que seus personagens não são adultos aos quais se espera certos comportamentos animalescos, mas crianças que, em tese, deveriam desconhecer a essência do mal, justamente por isso a perda da inocência dos garotos da ilha criada por Golding nos faz imaginar se, de fato, existe alguém que seja realmente inocente, afinal o homem em sua eterna luta contra si e contra o mundo já deu provas mais que suficientes de sua capacidade para a crueldade ser muito mais aflorada do que sua predisposição para o bem. No mais, segue a dica de um ótimo livro que faz jus ao título de clássico moderno que casa muito bem com os nossos dias. 

"Ralph chorava o fim da inocência, as trevas do coração humano, e a queda do abismo do amigo sincero e ajuizado chamado Porquinho." (223)


 Há duas versões cinematográficas do livro. Destaco esta de 1990.


Outras fontes consultadas:



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